#03 Regresso a Singapura: Durianos, Maio de 2017
Vladimir retorna a Singapura após o singular episódio em Andaman, e durante o período de convalescença depara-se com alterações de humor súbitas, episódios de euforia seguidos de tristeza singular e profunda, como se o espectro possível de emoções tivesse sido amplificado pelo trauma de uma experiência quase terminal. Vladimir padece de insónias, delirium tremens; as suas cefaleias agudizam, em intensidade e frequência. É neste estado fragilizado de agonia, dor e ansiedade, que se refugia em algoritmia, matemática e criptografia, tentando reproduzir o mais fielmente possivel, a geometria singular do tetragrama vislumbrado no dorso do escorpião ao analisar meticulosamente a similaridade deste último com o conteúdo da página 29 do Manuscripto de Voynich, onde também são evidentes as 4 estruturas homunculares sob a égide dum objecto celeste. No manuscripto, esta figura é acompanhada dum texto, críptico, escrito numa linguagem até então desconhecida. Este, exactamente no mesmo registo que Vladimir encontrou no dorso do escorpião antes de sucumbir e perder um dos seus testiculos.
Durante a convalescenca Vladimir recorre aos préstimos curativos duma enfermeira expatriada de seu nome Ludmila Fadzmi-Umbrofsky, uma imigrante eslava a viver em Singapura há decadas que após um tumultuoso exilio da Bielorrussia decide abrir uma clinica de recuperação Daoísta, num registo holista, uma prática que a eleva ao estatuto de fellatio Honoris Causa na comunidade expatriada de Singapura. Ludmila, preocupada com a debilidade fisica e espiritual de Vladimir, decide recomendar várias mezinhas, pomadas e tratamentos. Destacam-se nesta fase as massagens supra-renais e os ensopados de duriano administrados diariamente. A acidez do duriano tem um efeito bombástico no organismo de Vladimir com a eliminação de beta-caroteno pelos ouvidos e a purga dos vestigios de antidoto excretados pelo prepúcio; esta cura baseada num cocktail explosivo de meta-endormorfinas catapulta a capacidade associativa de Vladimir a níveis sem precendente. Num excerto escrito por Vladimir neste período de convalescença após o singular episódio em Langkawi, pode ler-se um registo não editado do seu fluxo mental, onde juxtapôe o fervor intelectual causado pelas suas descobertas criptograficas com o surto explosivo de paixão e volúpia causado pela presença da sua enfermeira:
"Julgo ter encontrado uma correlação muito forte entre a cadência algorítmica da meta-letra «o» no Manuscripto de Voynich com o tretragrama estampado no exoesquelto dorsal do escorpião de Langkawy - a Ludmila tem uns seios incriveis - esta correlação não descreve apenas uma relação linear entre estes fenómenos mas uma dependencia funcional muito elevada, digamos, que causal - às vezes sonho com ela - ora, o duriano tem a forma duma granada defensiva: fruto tropical bombaceanídeo com espigões multifigmentados, coloração amarelo-torrado pesando até 3 kilogramas quando maduro e uma pestilência ímpar- a Ludmila faz umas sopas de duriano deliciosas - registam-se sintomas variados após ingestão incluindo flatulência napalm e ardor esfinctérico permanente, há quem se queixe também de hemorroidal galopante, mas estas sao maleitas insignificantes perante a bonanza de sabores dionisíacos depertados no palato aquando da respectiva degustação. A Ludmila tem uns gémeos esculturais e é muito boa. «Durio kutejensis» - em Latim - o nome deste fruto deriva do malaio-indonésio «duri» que significa espinhoso, sendo conhecido no sudeste asiático como o “rei dos frutos”. O «duriano» é rico em vitamina C e uma excelente fonte de potássio e aminoácidos mas mais supreendentemente ainda, o eflúveo balsâmico dum «durian» madurinho” pode ressuscitar defuntos - a Ludmila estimula muito a minha curiosidade, gostava de a ver nua - Curiosamente, há registo histórico de relevo envolvendo «durians» e Portugal, note-se que Malcom Murfett, refere este fruto na sua tese entitulada “História militar de Singapura de 1275 a 1971”, aquando da captura do galeão português "Santa Catarina" pela armada holandesa - a Ludmila vem 2 vezes por semana - Segundo Murfett, este galeão transportava um cargo importante de sedas, especiarias, porcelana, jóias e, claro está, «durians», que terá sido resgatado indevidamente por armadores holandeses, tendo este incidente diplomático levado Hugo Grotius a redigir o compêndio "Mare Liberum" que está na origem da moderna Lei Marítima Internacional. A Ludmila está sempre perfumada. Neste livro pode ainda ler-se a carta enviada por Fernão de Albuquerque, capitão-Mor de Malaca a Jacob Hemskeerk, capitão da armada holandesa, ameçando porrada caso o espólio resgatado não fosse devolvido, incluindo os famigerados «durians» - fico entumescido só de pensar na Ludmila - Registe-se também em 1562, pela pena do académico Veneziano Josephuse Moletius uma tradução da Geografia de Ptolomeu em latim, referindo o promontório de "Malaeucolon" como “cabo de Cimeapula”, uma região de comércio do fruto demoníaco “duriano” - como será a Ludmila zangada? Sera que grita de prazer quando atinge um olegário? - Já Francisco Sá de Meneses, nascido no final do sec XVI, refere este fruto no seu poema épico "Malaca conquistada" comentando que se a maçã era o fruto proibido no Jardim do Éden, o «durian» sê-lo-ia no terceiro anel dos infernos de Dante. Que se fodam os durianos, acho que me estou a apaixonar pela Ludmila!"
É neste rasgo de teleconectividade e livre associação induzidos pela intoxicação serológica combinada de veneno de escorpião, antídoto farmacologico e durianos que Vladimir finalmente conclui, após anos de investigação: a grafologia singular do manuscripto de Voynich, não é de todo uma invenção, mas sim, um dialecto arcaico de origem caucasiana, na árvore linguistica original do Georgiano!
O Georgiano é uma das línguas mais antigas do Mundo, contemporânea do Quechua Peruano, mas geograficamente antipodal. Ao contrário do Quechua que tem apenas transmissao oral e fonética, o Georgiano tem um alfabeto próprio onde todas as vogais e consonantes derivam do circulo «o», com a sua estrutura gramatical única e semântica muito particular. O entusiasmo provocado pela livre associação destes factos aparementemente desconexos, avulsos, aumenta consideravelmente a sua tensão arterial. Vladimir cumpre assim, pausas tácticas entre o delírio associativo, o fervor passional pela sua voluptuosa eslava, a ressaca farmacológica e a depressão - iniciando um processo exaustivo de recuperacao holista Zen. Um aprofundamento desta questão só será possivel com uma passagem pelo Cáucaso, algo que Vladimir se compromente a fazer assim que recuperado.