Prolegómenos

Salgácio Barbarossa di Coglionazzo distingue-se no panorama editorial siciliano durante o reinado carolíngio de Luís II, rex Langobardorum, com a publicação de ensaios metafísicos, trovas medievais e manuais de culinária molecular. Ostracizado pela aristocracia piemontesa e acossado por hordas de parturientes em explosão hormonal, Salgácio escapa a um auto-de-fé. Em fuga pela Lombardia, vai adoptando uma série de identidades falsas, acabando por refugiar-se no mosteiro das Carmelitas descalças da vila lombarda de Surcasanta, trabalhando como escrivão, onde finalmente sucumbe a um tromboembolismo de origem venérea, circa 1348.

Este autor deixa um legado difícil de classificar, no qual se encontram textos tão diversos como os seus Opúsculos Peristálticos, as 23 Receitas de Cordeiro em Escabeche e o Correio Sentimental dos fascículos avulsos Borda d’Água de Siena. Neste espólio invulgar — e já na fase monástica, em exílio, sob vários pseudónimos — consta também um índice incunabulístico de ensaios escritos em linguagem encriptada, incluindo, entre outros: pistas para a localização do Santo Graal; a verdadeira identidade do Papa Teobaldo Visconti; a solução da proto-Conjectura de Goldbach; e, um manual ilustrado de cunnilingus esotérico.

A existência deste arquivo nunca foi reconhecida em vida pelos seus contemporâneos, atendendo ao conteúdo potencialmente catastrófico para as altas esferas da liturgia católica, e às óbvias consequências legais perante o Santo Ofício. No entanto, a chave para a respectiva descodificação terá sido verbalmente partilhada com alguns dos seus múltiplos filhos bastardos, aquando de visitas esporádicas ao convento onde ermitava, na fase final da sua vida.

O Arquivo Salgácio, esse, permanecerá incólume e anónimo, encriptado nas ilustrações do Manuscrito de Voynich como alegado manual de botânica medieval.

Séculos mais tarde, um sobrinho-septaneto deste autor é concebido acidentalmente numa floresta de embondeiros angolanos, por um casal de revolucionários marxistas, ao luar, sob o olhar circunspecto de uma manada de palancas. Quarenta anos depois, este indivíduo é finalmente identificado em Singapura.

Anónimo de hieráldicas, espoliado de haveres e expatriado de terras helvéticas, este descendente bastardo em trivigésima geração da empregada doméstica de di-Coglionazzo decide embarcar numa saga asiática, tentando descodificar o arquivo com base em pistas dispersas pelos seus antepassados.

Neste processo vai compilando cartas, pensamentos, florilégios e aforismos que decide esconder das autoridades sob a base metálica dum narguilé marroquino, regateado num mercado de Casablanca aquando duma passagem pelo Magrebe na companhia da sua advogada.

Este acervo — e aqui aplicamos generosamente o termo ao conjunto de escritos referidos — é assinado sob diversos pseudónimos, em função do estado de espírito do autor e persecutório nível de paranóia. Assim, como recurso narrativo e para efeitos estilísticos, chamemos-lhes apenas “Vladimir”.

Em Singapura, o consumo de estupefacientes é desencorajado pela aplicação da pena capital. Desta forma, Vladimir refugia-se regularmente na periferia malaia e indonésia de Andaman, com o seu narguilé, de modo a consumir os proibidos cogumelos alucinogénios, enquanto investiga as várias ramificações criptográficas possíveis — usando algoritmos matemáticos para decifrar o conteúdo do Graal Salgácio, encriptado nas páginas do Manuscrito de Voynich.

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PARTE PRIMEIRA