Escrever comédia no meio do Horror pode parecer, à primeira vista, um luxo obsceno — uma frivolidade indecente perante a dor. Quando o mundo arde, quando há campos de extermínio ou crianças soterradas sob os escombros duma ideologia genocida, o riso pode soar como traição. E, no entanto, há momentos na história em que precisamente o riso — lúcido, agudo, corrosivo — se torna uma das últimas formas de resistência.

A comédia não é o contrário da seriedade. É uma lâmina afiada que expõe o absurdo das tiranias, a pompa grotesca dos verdugos e o silêncio cúmplice de alguns políticos. Quando a realidade se torna tão monstruosa que a linguagem ordinária falha, o humor, com a sua dissonância, pode dizer o indizível.

Escritores e editoras, mesmo quando optam por não seguir uma linha editorial explícita perante o Horror — por razões de prudência, medo, cumplicidade ou estratégia — têm, no mínimo, a responsabilidade de esclarecer a sua posição. A ausência de declaração é, em si, uma forma de discurso. Em Portugal a Editora Antígona e a Bertrand Livreiros assumiram este dever de forma clara ao publicar Enzo Traverso e também a Penguin Livros associando-se à Rede de Livrarias Independentes (RELI), exemplos esses, infelizmente ignorados por muitas outras grandes editoras. 

A nossa editora, micrométrica e insignificante não pretende ser voz autorizada nesta matéria nem leccionar ninguém sobre como agir. Em tempos de barbárie, todas as formas de linguagem — do tratado filosófico ao panfleto, da elegia ao sarcasmo — são necessárias. A comédia, nesse arsenal, é arma e escudo. É ponte e espelho. É, muitas vezes, a única forma de continuar a falar quando o grito já não basta.

Se há genocídio, se há perseguição, se há silêncio forçado — então que haja também voz. E se essa voz trouxer ironia, riso amargo ou escárnio, que não seja lida como desrespeito, mas como um acto profundo de fidelidade à verdade. Porque rir do tirano é negar-lhe o monopólio do discurso. É recordar que ele não é absoluto, que a sua narrativa não é inviolável. A comédia, nesse contexto, não é leveza: é insurreição.

من النهر إلى البحر / فلسطين ستتحرر